Quando eu tinha 17 anos eu chorei, lendo Diário de um Pároco de Aldeia, de Georges Bernanos. Até me lembro
da neblina que caía. O romance termina com a frase Tudo é graça”. E eu, adolescente, chorando, lendo este romance por
sugestão de um professor que gostava de literatura. Quando estou indo para os
80 anos, vejo-me lendo uma espécie de livro de autoajuda, de um escritor
norte-americano: A última grande lição –
o sentido da vida, de Mitch Albom, escrevendo coisas que parecem escritas
por mim, como a frase que pus como título. Presente de uma menina. Li os dois
com bastante emoção, mas achei estranho eu me emocionar com o autor deste, de cuja
pátria não gosto desde que tive que estudar inglês. Ele tem 58 anos e nasceu em
maio, assim como eu. Uma frase do velho Professor Morrie, no livro, é: É impossível a um velho não invejar um
jovem. Mas a questão é aceitar o que somos e gostar. Eu já tive o meu tempo de
ter 30 anos, e agora estou no tempo de ter 78. Precisamos descobrir o que
existe de bom e verdadeiro e belo em cada fase da vida.
Parece eu falando... Sou,
contudo, um ano mais velho que ele, o velho Professor. Ontem faleceu o Padre Victor, de 93 anos, e dias
atrás eu estava com ele na mesma sala de fisioterapia, com a fisioterapeuta
quase não encontrando formas de lidar com o peso de 93 anos... Assim é a vida
que vai chegando... Com o Padre Victor
não podendo com o peso dele mesmo.
Tenho um escrito de 169 páginas, tipo 12, folha A4 e descobri que entre
82.481 palavras, as cinco palavras que mais
aparecem neste escrito, é Vida (150), Morte (84), Esperança (82), Tempo e
Deus (72) e Caminho (70). As palavras que menos
aparecem são Tristeza (14), Riso (25), Amor (30), Pastoral da Juventude
(42), Jesuítas (49), Saúde (47), Feliz (51). Palavras que dançam no meio são
memória (66), alegria (68) e medo 58). Curiosidade estranha a minha... O
culpado é o vento sul que bate forte. Contudo, achei interessante descobrir
este pedaço de mim.
O livro de autoajuda que li é a história de um professor que vai
morrendo e conversando com um
ex-aluno, jornalista, chamado pelo idoso de “treinador” – Mitch - enquanto se ajeitava com a ELA, isto é, a
Esclerose Lateral Amiotrófica - uma doença degenerativa do sistema nervoso,
que acarreta paralisia motora progressiva, irreversível, de maneira limitante,
sendo uma das mais temidas doenças conhecidas. O velho Professor se chama
Morrie. O pai de Morrie Schwartz era Charlie. Morrie estava casada com
Charlotte e, na sua doença, tinha uma ajudante de nome Cannie. Os dois filhos
do Professor idoso e doente não se davam bem. Mitch, o ex-aluno, era casado com
Janine, que só depois de muito tempo foi com o marido visitar Morrie. Depois de
7 capítulos da “tese” que os dois escreviam, começam as visitas das
terças-feiras. O livro é composto de 14 terças-feiras e uns capítulos a mais
com outros títulos. Falam do mundo, da autocomiseração, do remorso, da morte,
da família, das emoções, do envelhecer, do dinheiro, da permanência do amor, do
casamento, da cultura, do perdão, do dia perfeito e da despedida. Não saberia
dizer de qual gostei mais. Sei que Morrie morreu num sábado de manhã.
Já escrevi bastante sobre a morte e minto se digo que superei
o medo de morrer. Rezar isso é rezar a esperança. Num encontro com jovens,
nalguma parte desse planeta, levaram-me, em certo momento – junto com os
participantes – a fazermos uma “meditação” no cemitério de frades que tinha por
perto. Um cemitério pequeno, rodeado de pequenos ciprestes, todo gramado, tendo
no centro uma cruz de pedra. Achei aquilo macabro, mas fui, sentando-me numa
cadeira enquanto a meninada se sentava no chão. Provocado, falei com as tumbas
de 5 frades me espiando... Falei da morte, do medo da morte, da fé na
ressurreição, da morte que faz parte da vida e muitas outras coisas. Era
noitinha. A gurizada, vendo a minha sinceridade, começou a perguntar várias
coisas:
- Você acha que a morte é o fim de tudo? foi uma das
perguntas.
Não falara isso, mas respondi:
- A morte é o começo da Vida... Só sabe viver quem sabe
morrer...
Falei bastante, até sermos convidados para irmos a um outro
espaço. Fui em silêncio carregando a minha cadeira e não sabendo o que passava nas
cabeças e corações daqueles jovens. Sei que, para beber esperança vou,
bastantes vezes, numa casa de idosos perto de minha residência. Falo com os
enfermeiros e enfermeiras e pergunto, vendo este e mais aquele fora da casinha:
- Vocês vão rir de mim quando perguntar 38 vezes, num
meio-dia, pelo dia do mês em que estamos?
Eles/as prometeram que sim, mas disseram que vão dizer que eu
já perguntara isso 37 vezes. Não discuti com eles/as. Outra coisa que já fiz –
para rezar ou beber a esperança - foi escrever como vai ser minha morte e meu
enterro... Na crônica descrevo até o
cemitério em que serei enterrado, até as pessoas que vão chorar, até como vou
estar deitado naquele caixão, de boca fechada.
Já combinei com todas as pessoas que, quando eu estiver assim, elas é
que vão falar. Vou somente escutar.
Enfim, não tenho novidades sobre a morte. A novidade é que
estou chegando aos 80 e vejo a minha pátria sendo estuprada por uma elite que
sempre foi nojenta, só que neste momento ela é nauseabunda. A novidade que me
faz ficar de boca aberta e de coração acelerado é ver que quem está agitando o
Brasil são os estudantes do ensino médio, não os jovens, nem os universitários
e nem os trabalhadores. De repente a Ana Júlia, de 16 anos, aparece na mídia
dando chicotadas inimagináveis em tempos passados. Melhor, em 2013 isso
começava a se manifestar nas ruas e parece que não sabíamos enxergar este
fenômeno. Quem diria que o Brasil teria milhares e milhares de escolas ocupadas
por esta rapaziada? Estas “novidades” é que me fazem voltar ao tempo e me
alegrar porque, depois de ter trabalhado com as juventudes por mais de 45 anos,
como uma causa, de repente vejo os adolescentes me darem uma rasteira que
deveria fazer-me mais “jovem”. Aprenderia, na certa, que se aprende a viver
quando se aprende a morrer. O idoso, em mim, precisa morrer para que nasça
outro idoso.
Pe. Hilário Dick