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domingo, 15 de maio de 2011

MANIFESTAÇÃO E ACOLHIDA Reflexões de aniversário

Podemos dizer que o dia do nascimento é o dia da nossa “manifestação”, embora nos tivéssemos “manifestado” já antes, no ventre materno, nem sabendo mais como... Sem sermos vistos, éramos visíveis, através da mãe. Éramos olhados. Claro que, hoje, já nos olham antes, crescendo na total dependência, e até tiram fotos nossas, preparando-nos para nos manifestar. Já sabem se somos isto ou aquilo e ficam esperando o dia em que nos “manifestaremos”.
“Nascer”, manifestando-se, é sair, pela energia da natureza, da dependência agradável do carinho de quem nos ama. “Nascer” é uma aventura para a qual ninguém nos pediu permissão. Ninguém pode dizer que nasceu porque quis. É duro, desconfortável, ameaçador “nascer”. Além de chorarmos, as pessoas se alegram quando nascemos e choramos. “Nascer” é um presente que somos obrigados a aceitar... Um dom que nos é dado – dizem – com jeito amoroso e divino. Se não for assim, quanto fundamento a ser reconstruído! Sempre nos horrorizamos com o desespero de Jó dizendo morra o dia em que nasci e a noite em que se disse: um menino foi concebido (Jó, 3.1).
Em todo o caso, desde o começo, esperam de nós uma resposta e nem sempre as respostas são agradáveis. Nascemos renunciando... Sempre, desde o começo, estamos diante de uma proposta de amor. A vida, enfim, se resume numa resposta a uma proposta. “Deus soprou-lhe nas narinas... e ele/a tornou-se um ser vivente” (Gn 2,7), porque ser vivente era bom. A árvore da vida “estava no meio do jardim” (Gn 2,9), não na periferia. A vida está não está em cima nem em baixo; ela está no centro porque no centro está Deus. “Eu lhe propus a vida ou a morte. Escolha, portanto, a vida” (Dt 30, 19). Como é bonito ver, descobrir, degustar que a liberdade não se compreende fora da geografia do dom. Depois da ressurreição sabemos que a vida é mais do que um sopro. O sopro de Deus foi um convite para a eviternidade. Como diz o sofrido e o esperançoso Jó, o sopro de Deus que me criou, me deu vida (Jó 33,4). É preciso descobrir, pois, que na sabedoria dessa aceitação, é que se encontra a vida.
Contudo, não podemos ficar na “vida da gente”. A vida é um horizonte porque, como diz o Evangelho, “quem procura conservar a própria vida, vai perde-la. E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mateus 10, 39). Não sei se estou conseguindo viver isso, mas é uma verdade que me comanda há muito tempo. Ser vida, nascer, é nascer para a alegria e o gozo dos outros. O Evangelho também diz que “quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la” (Mateus 16,25). Lucas fala de preservar. Lemos, por isso, igualmente, Jesus “veio para servir e para dar a sua vida como resgate” (Marcos, 10, 45). Fico perguntando-me, por isso, o que é ter um projeto de vida, o que é uma causa? Uma vida que não seja doada não é vida.
Neste dia de minha “manifestação” gostaria de dizer que estou gostando de viver. Agradeço a Deus e a todos que me estão dando essa chance. Fico pensando na família que foi nosso primeiro ninho, mas que é preciso abandonar, por vezes amando de longe, espiando pelos mais variados sentimentos. Fico pensando nos educadores/as que, com seu jeito de pelicanos/as, sempre procuraram dar-se da melhor forma para que a vida nos sorrisse. Fico pensando nas “instituições” onde vivi, trabalhei, sonhei, pelejei e ri. A gente recebe e deixa parte de nós em muitos espaços. Gostaria de “agradecer”, por isso, a acolhida que tive. Embora a vontade nossa seja de acolher, somos mais acolhidos que acolhedores. Por isso teremos certamente a eternidade para nunca acabar de agradecer. É que a “manifestação” não existe sem “acolhida”. A todos e todas, o meu simples, solene, sincero, alegre, animado, vibrante, humilde, gostoso, humano agradecimento à VIDA que borbulha, borbota, acachoa e marulha nos 74 anos que inicio acompanhado dos cuidados de vocês.

P. Hilário Dick S.J
12 de maio de 2011

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