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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Um olhar sobre a realidade da Juventude latino-americana - Parte I

Carmem Lúcia Teixeira


Observar, olhar o outro e a si próprio,

significa estar atento, buscando o significado do desejo,

acompanhar o ritmo do outro buscando sintonia com este.

Madalena Freire


O exercício proposto por Madalena Freire, exige um movimento no olhar que é dado por uma diversidade de elementos. Primeiro, é sempre a partir de um ponto, de um desejo, de um ritmo e creio que o mais complexo será estar em sintonia para quem se olha. Esse olhar revela cumplicidade. Não tem neutralidade. Ao contrário, é marcado por uma série de opções que se vai fazendo ao longo do caminho.


Klaudio Duarte (1998) afirma que, no esforço de compreensão da juventude latino-americana, é preciso construir uma moldura que demarca essa sociedade na sua constituição:


Es patriarcal (reconoce la diferencia entre hombre y mujer, pero pone a éstas como objeto de dominación masculina); es racista (la raza blanca es considerada superior a cualquier otro tipo de raza o etnia: negra, aborígene, asiático, etc.); es de cristiandad (desde hace siglos es la religión del imperio occidental, dominadora y cooptadora de cualquier otra vivencia religiosa autóctona o nueva, sobre todo aquellas que se plantean la superación de la idolatría); [...] es una sociedad autocéntrica, pone en condición de inferioridad y de preparación a niñas e niños, jóvenes ya la tercera edad (pág. 16).


Essa moldura cultural está sustentada pelo sistema econômico de base capitalista, com seu estilo de vida centrado na mercadoria e pelo lucro. Toda a vida das pessoas, bem como o ritual de inclusão ou exclusão na sociedade, é determinada pelos bens e por esse conjunto de idéia assumido de forma naturalizada como norma para a vida. Como sabemos que o sistema – para continuar em funcionamento - exige que todas as instituições: família, escolas, Igrejas, sindicatos, entre outras, como os meios de comunicação, continuem educando as pessoas para sua manutenção e para sua defesa como único modo viver, porque tem qualidades defendidas por todos como a liberdade, a fraternidade e a igualdade. Esses ideais são defendidos mesmo que na realidade seja o contrário. A defesa se dá como se todos os direitos prometidos estivessem em vigor.


Se, para funcionar, o sistema necessita de uma religião que eduque para suportar todas as ausências, celebraremos com intensidade a sexta-feira da paixão e todos os outros rituais de morte para elevar para o além as nossas necessidades mais vitais ou sublimar os sofrimentos... Se for necessário, que os pais se sacrifiquem para a educação dos filhos, que os formem ou que os eduquem para obedecer ao sistema e os criaremos como famílias patriarcais e as manteremos de tal forma que as desigualdades estabelecidas e normalizadas, em relações, nunca sejam questionadas. Se precisarmos formar pessoas que, desde cedo, na sua formação escolar formal, precisam sentir-se diminuídas, incapazes de desenvolver suas capacidades - porque está dentro da normalidade imposta pela escola aprender a língua “culta” e desaprender o modo de falar e pensar das comunidades rurais, indígenas, afro descentes - teremos escolas especialistas em excluir. Estas experiências ele as vivenciará mais tarde, quando estiver no mercado de trabalho, onde não tem emprego para todos/as. O lucro é somente para uma minoria...


Todas as idéias que sejam críticas ao sistema, são banidas. O mesmo sucede com as lideranças com um olhar mais crítico. Assim não dá porque há algo errado no que está “naturalizado”... Por isso essas lideranças são perseguidas, algumas até a morte, para que não acordem a população vivendo maquinalmente e fazendo funcionar o sistema gerador de lucro à custa da vida de milhares.


Esse modo de pensar é que vai construir, também, os conceitos sobre a juventude latino-americana, dizendo - com um discurso hipócrita - que “o jovem é o futuro”. De fato, é futuro se tiver sendo classificado como mão–de-obra barata ou como mera oportunidade para inserir-se no mercado.


En un joven y en una joven pobre, nuestras sociedades occidentales capitalistas potencialmente ven soldados [...] ; también ve electores; e [...] consumidores y también manos de obra para la producción. No ve personas, ni sujetos con capacidades y potencias liberadoras, no ve presente (sólo futuro), no ve sentimentos legítimos, sólo problemas y recambio para asegurar el funcionamiento de su sistema de vida (y de muerte). (DUARTE, 1998, p.18).


Essa moldura centra o olhar e condiciona a contemplação. Olhar para a juventude latino-americana que vive abaixo da linha do Equador, em sua maioria, tem história em comum marcada pela expansão deste sistema capitalista em épocas diferentes e com estratégias bem diferenciadas. Desde a chegada do povo do norte por aqui, ele trouxe um modo de vida com sua visão de mundo e com valores que impuseram em substituição aos que aqui eram construídos e vividos. Foi-nos dito que tudo que vinha do norte era o correto e importante, tanto que em nossas escolas e universidades todos os tempos nos impuseram as referências do conhecimento e nós as repetimos. Basta ler a bibliografia dos mestrados e doutorados.


Superar o pensar ingênuo que considera o conhecimento estático, normatizado e bem comportado - que gera acomodação porque repete o que já está pronto - é o oposto ao pensar crítico que transforma permanentemente, cria um movimento de humanização e impõe diálogo. Diálogo como ato de coragem, que tem compromisso com os seres humanos. “É um ato de coragem comprometer-se com a libertação”,provoca Paulo Freire[1].


Deixar de olhar para cima, ou para o norte, no mapa, e olhar para nós mesmos é um exercício que exige mudança de direção e que facilita nosso olhar mais cúmplice para a realidade da juventude latino-americana. Olhar para nós mesmos para perceber sua pluralidade presente em cada país, em cada região, em cada cidade, comunidade indígena, quilombola ou ribeirinha deste imenso continente diverso desde a flora, fauna até os estilos de viver cada tempo de nossas vidas. Olhar para a juventude é reconhecer que ela é múltipla e diversa.


Essa mudança de olhar irá exigir novas leituras de investigadores/as, estudiosos/as, produtores/as de culturas de saberes e sabores nas suas mais diversas formas; exige reconhecer, aqui, a riqueza de se fazer gente neste continente. Estudar Paulo Freire, Sara Pain, Pichón Revière, Mariategui, Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff, Rosa Maria Muraro, Henrique Dussel, Juan Sobrino entre tantos e tantas. Quer dizer: olhar a juventude buscando identificar as novidades que estes provocam, criam, buscam e, também, o modo como repetem as lições condicionadas desta moldura cultura e econômica pela qual estamos marcados/as.


[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.

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